Projeto de Lei na Alerj pode retirar dinheiro da gestão das águas e põe em cheque projetos de saneamento
Os Comitês de Bacia Hidrográfica do Estado do Rio de Janeiro, junto a organizações públicas e privadas, universidades, entidades de classe e outras representações da sociedade, estão se unindo contra o Projeto de Lei 1.713/2019, que tramita na Assembleia Legislativa do Estado (Alerj). A proposta tem o objetivo de desvincular receitas e mudar regras do Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDRHI).
Na prática, a medida proposta pelo Poder Executivo Estadual desmonta o Sistema de Gestão de Recursos Hídricos. O projeto deve ser votado pelos deputados estaduais nesta quinta-feira (12), no plenário da Alerj.
A proposta desvincula 16 Fundos Estaduais, entre eles o Fundo Estadual de Recursos Hídricos (FUNDRHI) e o Fundo Estadual de Conservação Ambiental e Desenvolvimento Urbano (FECAM), abrindo a possibilidade para que os recursos, que devem ser empregados exclusivamente na gestão das águas e na conservação do meio ambiente, sejam usados para outros fins.
Segundo o presidente do Comitê de Bacia Lagos São João, que abrange 12 municípios da Região dos Lagos e da Baixada Litorânea, Leandro Coutinho, a proposta compromete as políticas públicas em andamento.
– Isso compromete todas as ações dos Comitês, principalmente porque o Estado do Rio é uma referência em gestão de recursos hídricos. A retirada de recursos vai complicar muito os Comitês e vai afetar todos os projetos – considera ele, reclamando que não houve debate sobre o tema antes da votação.
– O pior de tudo é que, sempre quando se propõe algo que vai alterar a dinâmica de todo um setor, esse setor participa de um debate e manifesta suas opiniões. Desta vez, não teve nada disso. Foi algo de cima para baixo, sem nenhum debate e que pegou a todos de surpresa – diz ainda.
Já para o presidente do Comitê de Bacia dos rios Macaé e das Ostras, Rodolfo Coimbra, a situação dos recursos hídricos no estado, que já é preocupante em relação aos próximos anos, poderá ficar “definitivamente comprometida”.
– Se isso passar, creio que o futuro, que já é incerto em relação aos recursos hídricos do Estado do Rio, estará definitivamente comprometido em curto prazo, uma vez que não haverá recursos necessários para gerir o sistema – declara.
Os Comitês da Bacia são fóruns que reúnem a sociedade na tomada de decisões sobre a gestão de recursos hídricos. As políticas aprovadas nos Comitêsm são financiadas pelo Fundo Estadual de Recursos Hídricos, que, por sua vez, é munido com uma parcela da cobrança pelo uso da água. Ou seja, o sistema obriga que parte do valor arrecadado com a cobrança da água volte à sociedade em forma de investimentos em saneamento, tratamento de água, projetos de educação ambiental e outras finalidades.
– Caso a lei seja aprovada, o dinheiro destinado para a gestão das águas e do saneamento poderá ser usado em qualquer outra área, até mesmo em pagamento de funcionários do governo. Isso fere todos os princípios legais apontados pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos – afirma Adriana Saad, secretária executiva do Consórcio Intermunicipal Lagos São João.
O Consórcio é a entidade delegatária do Comitê Lagos São João e do Comitê de Bacia dos rios Macaé e das Ostras. Como os Comitês são fóruns da sociedade, eles não podem realizar a contratação de serviços. Por isso, as políticas definidas nos Comitês são executadas por uma entidade delegatária, que é o caso do Consórcio. Segundo Adriana, a medida que será votada na Alerj, poderia desestruturar todo o sistema.
– Basta dizer que, do valor arrecadado em saneamento, 70% precisa precisa ser aplicado em novos projetos de saneamento. Todos conhecem a enorme necessidade de novos projetos de saneamento nos municípios do interior do Rio. Essa nova lei poderá desestruturar todo o sistema e impedir novos projetos – explica Adriana.
A mobilização contra a medida inclui uma petição online, além de reuniões que serão realizadas nesta quinta no Rio. Membros de Comitês também irão até a Alerj para pressionar os deputados contra a proposta.
Segundo nota técnica do Fórum Fluminense de Comitês de Bacias Hidrográficas, “inúmeros projetos e obras de engenharia para conservação e restauração das águas são planejados e aprovados pelos Comitês de Bacia em curto, médio e longo prazos e são financiados com recursos do FUNDRHI”. Diz ainda que “para isso é necessária uma garantia financeira de médio e longo prazos, através de um fundo de recursos, a fim de sustentar a continuidade dos projetos e obras”. – Na última experiência de crise hídrica (2014/2015) vivida pelos estados da região sudeste, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo, a articulação dos órgãos gestores de Recursos Hídricos desses estados foi fundamental para a convergência de soluções que minimizaram os impactos da escassez hídrica para a população que dependem do rio Paraíba do Sul, principal fonte de abastecimento para a população fluminense. A quebra do financiamento pelo FUNDRHI de obras de saneamento terão impactos irreversíveis na questão da saúde pública, alertando-se para um recrudescimento dos índices de doenças de vinculação hídrica (diarréias, hepatites, etc) além da proliferação das arboviroses como dengue, chikungunya e zika, que assolam várias regiões do estado e a nossa população – diz ainda a nota do Fórum Fluminense de Comitês de Bacias Hidrográficas.